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3 de out. de 2007

Os Papas e a pequena Teresa do Menino Jesus

Os Papas e a pequena Teresa do Menino Jesus
Todos os pontífices do século XX fascinaram-se pela fé simples da santa de Lisieux.

Baseada na absoluta necessidade da graça
de Giovanni Ricciardi

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Uma imagem de Santa Teresa de Lisieux


No dia 20 de novembro de 1887, Santa Teresa do Menino Jesus encontrou, aos 15 anos, o Papa Leão XIII (1878-1903) durante uma peregrinação organizada pela diocese de Lisieux, pedindo-lhe com ingênuo atrevimento a permissão para entrar no Carmelo antes da idade prescrita. O Papa respondeu-lhe categórico: “Vamos!...Vamos!... Se Deus quiser entrarás”.



O velho Pontífice não podia imaginar que o caso desta mocinha teria marcado tanto o pontificado de seus sucessores. Com efeito, todos os papas do século XX foram tocados, de um modo ou outro, pela “passagem” de Teresa. O primeiro de todos foi Pio XI, que a beatificou em 1923 e canonizou-a dois anos depois, nomeando-a em seguida, em 1927, padroeira das missões. A história de Teresa cruza-se particularmente com a do Papa Paulo VI, que foi batizado no mesmo dia da morte da pequena irmã de Lisieux. Mas a primeira intuição da excepcionalidade de Teresa deve-se, sem dúvida, a Pio X (1903-1914), o papa que em 4 de agosto completará cem anos da sua eleição. Pio X: “A maior santa dos tempos modernos” Tinham passado apenas dez anos da morte de Teresa quando Pio X recebeu de presente a edição francesa do Histoire d’une âme e, três anos mais tarde, em 1910, a tradução italiana da autobiografia da santa. Tradução que estava, desde então, na segunda edição. Pio X não teve hesitações com relação a Teresa, e por isso acelerou a introdução da causa de beatificação, que tem a data de 1914 e que foi um dos últimos atos do seu pontificado. Mas, já alguns anos antes, encontrando um bispo missionário que lhe doara um retrato de Teresa, o papa observara: “Eis a maior santa dos tempos modernos”.


Um juízo que poderia parecer arriscado, pois na época, e ainda hoje, Teresa não contava somente com admiradores. A simplicidade da sua doutrina espiritual, fundada simplesmente na absoluta necessidade da graça, causava desagrado em não poucos eclesiásticos. No clima de um catolicismo tomado pelo jansenismo, uma espiritualidade fundada apenas na confiança e no abandono dócil à misericórdia de Deus parecia estar em contraste com o rigor de uma ascese centralizada na renúncia e no sacrifício de si. O eco dessa “suspeita” contra a doutrina de Teresa chegou até os ouvidos do Papa. O qual uma vez respondeu com decisão a um desses detratores: “A sua extrema simplicidade é a coisa mais extraordinária e digna de atenção nesta alma. Reestudem a vossa teologia”. Entre outras coisas, Pio X ficara gravemente impressionado por uma carta que Teresa escrevera em 30 de maio de 1889 à sua prima Maria Guérin, a qual, por motivos de escrúpulos, abstinha-se da comunhão: “Jesus está no tabernáculo expressamente para ti, para ti só, arde com o desejo de entrar no teu coração [...]. Comunga muitas vezes, muitas vezes... É esse o único remédio se queres curar-te”. Na época havia um difuso comportamento de excessivo escrúpulo para aproximar-se da eucaristia, e a resposta de Teresa pareceu ao Papa um encorajamento para combatê-lo.


E é possível que os dois decretos de Pio X, Sacra Tridentina Synodus, sobre a comunhão freqüente, e Quam singulari, sobre a comunhão às crianças tenham sido influenciados pela leitura dos escritos teresianos. Bento XV: “Contra a presunção de alcançar com meios humanos um fim sobrenatural” Pio X não teve tempo de seguir o iter da causa de beatificação. O seu sucessor, Bento XV (1914-1922), acelerou-o ulteriormente. Em 14 de agosto de 1921, proclamou o decreto sobre as heroicidades das virtudes da pequena Teresa e, pela primeira vez, um papa usou a expressão “infância espiritual” para se referir à “doutrina” da santa de Lisieux: “A infância espiritual”, disse o Papa “é formada pela confiança em Deus e pelo cego abandono nas mãos dEle [...]. Não é difícil relevar as vantagens desta infância espiritual tanto por aquilo que exclui como por aquilo que supõe. Com feito, exclui o soberbo lisonjear-se; exclui a presunção de alcançar com meios humanos um fim sobrenatural; exclui a falácia da auto-suficiência na hora do perigo e da tentação. E, por outro lado, supõe fé viva na existência de Deus; supõe prática homenagem à Sua potência e misericórdia; supõe confiante recurso à providência dAquele com o qual obter a graça, evitar todo o mal e conseguir todo o bem. [...] Esperamos que o segredo da santidade de Irmã Teresa do Menino Jesus não seja segredo para ninguém”. Pio XI: “A estrela do meu pontificado” Pio XI (1922-1939), mais do que qualquer outro papa durante toda a sua vida, mesmo antes da sua eleição ao trono de Pedro, foi acompanhado por uma profunda devoção para com a pequena Teresa.


Quando ainda era núncio apostólico em Varsóvia, tinha sobre sua escrivaninha a História de uma alma; e continuou a fazer o mesmo depois assumir a arquidiocese de Milão. Durante o seu pontificado Teresa foi elevada, em pouco tempo, às honras dos altares. Beatificada em 29 de abril de 1923; canonizada em 17 de maio de 1925, durante o Ano Santo; em 14 de dezembro de 1927 foi proclamada, junto com São Francisco Xavier, padroeira universal das missões católicas. Tanto a beatificação como a canonização foram as primeiras do pontificado deste Papa. E já em 11 de fevereiro de 1923, no discurso feito por ocasião da aprovação dos milagres necessários para a beatificação, observava: “Milagre de virtude nesta grande alma que nos faz repetir com o Divino Poeta: ‘algo vindo do céu à terra para o milagre mostrar’ [...]. A pequena Teresa fez-se Ela mesma uma palavra de Deus [...]. A pequena Teresa do Menino Jesus nos diz que há um modo fácil de participarmos de todas as maiores e heróicas obras do zelo apostólico, por meio da oração”. Aos peregrinos franceses vindos a Roma para a beatificação de Teresa, disse: “Eis que estais à luz desta Estrela – como nós gostamos de chamá-la – que a mão de Deus quis que resplandecesse no início do nosso pontificado, presságio e promessa de uma proteção, da qual estamos tendo a feliz experiência”.


Também, mais tarde, Pio XI atribuiu à intercessão de Teresa uma proteção especial em momentos cruciais do seu pontificado. Em 1927, num dos momentos mais duros da perseguição contra a Igreja Católica no México, confiou aquele país à proteção de Teresa: “ýuando a prática religiosa for restabelecida”, escrevia aos bispos mexicanos, “desejo que Santa Teresa do Menino Jesus seja reconhecida como a mediadora da paz religiosa no vosso país”. Dirigiu-se a ela para implorar a solução do duro contraste entre a ýanta Sé e o governo fascista de 1931, que quase levou à suspensão da Ação Católica italiana: “Minha pequena santa faça que para a festa de Nossa Senhora tudo tenha se regularizado”. A controvérsia chegou à solução em 15 de agosto do mesmo ano. Já no fiŸal do Ano Santo de 1925, Pio XI enviara a Lisieux, acompanhando uma sua fotografia, uma expressão eloqüente: “Per intercessionem S. Theresiae ab Infante Iesu protectricis nostrae singularis benedicat vos omnipotens et misericors Deus”. E, em 1937, no final da longa doença que sofria nos últimos anos do seu pontificado, agradeceu publicamente àquela “que tão validamente e tão evidentemente veio em ajuda ao Sumo Pontífice e ainda parece disposta a ajudá-lo: Santa Teresa de Lisieux”. Não pôde coroar o desejo de ir pessoalmente a Lisieux nos últimos meses da sua vida. Pouco antes de estourar a Segunda Guerra Mundial, o pontificado passava para as mãos de Pio XII (1939-1958), que conhecia e estimava muito a pequena santa.


Pio XII “Valorizar diante de Deus a pobreza espiritual de uma criatura pecadora” ýFilha de um cristão admirável, Teresa aprendeu sentada nos joelhos de seu pai os tesouros de indulgência e de compaixão que se escondem no coração do Senhor! [...] Deus Pai cujos braços estão constantemente dirigidos aos filhos. Por que não responder a este gesto? Por que não gritar espontaneamente para ele a nossa angústia? É preciso confiar na palavra de Teresa, quando convida tanto o mais miserável como o mais perfeito a não valorizar diante de Deus senão a fraqueza radical e a pobreza de espírito de uma criatura pecadora”. Assim Pio XII exprimia-se na radiomensagem de 11 de julho de 1954, por ocasião da consagração da Basílica de Lisieux, o coração da “via da infância espiritual” indicada por Teresa. Durante toda a sua vida, ele manteve correspondência com o Carmelo de Lisieux. O início dessa correspondência foi em 1929, no tempo da nunciatura apostólica em Berlim, quando enviou a Lisieux uma carta de agradecimento por ter recebido a primeira edição alemã da História de uma alma. Depois foi várias vezes enviado pelo papa Pio XI para o Carmelo de Teresa para presidir algumas funções especiais. Quando foi a Buenos Aires, em 1934, como legado pontifício no Congresso Eucarístico Internacional, levou consigo uma relíquia de Teresa à qual tinha confiado a sua missão. Durante todo o pontificado correspondeu-se também com Irmã Inês e Irmã Celina, as irmãs de Teresa que ainda viviam no Carmelo de Lisieux.


João XXIII: “A pequena Teresa nos conduz ao porto” Santa Teresa a Grande [Teresa de Ávila, ndr] eu amo muito... mas a Pequena: ela nos conduz ao porto [...]. É preciso pregar a sua doutrina tão necessária”. São palavras de João XXIII (1958-1963) ao se dirigir a um sacerdote que lhe oferecera uma coleção de retratos da pequena Teresa. Angelo Roncalli foi cinco vezes a Lisieux, principalmente no período da sua nunciatura em Paris, mas também quando ainda era delegado apostólico na Bulgária. Como pontífice dedicou particular atenção à santa na audiência geral de 16 de outubro de 1960. Na ocasião disse: “Teresa de Lisieux foi grande por ter sabido, na humildade, na simplicidade, na constante abnegação, cooperar nas dificuldades e no trabalho da graça para o bem de inúmeros fiéis”. Sobre isso o Santo Padre, querendo dar uma adequada semelhança, com muito prazer recorda de quando observava o porto de Constantinopla. “Lá chegavam grandes navios de carga, que porém não conseguiam, pela natureza do fundo do mar, a aproximarem-se do cais. Portanto, eis que, ao lado de cada grande navio, encostava um pequeno barco, cuja presença à primeira vista parecia supérflua, e, ao invés, era muito preciosa, pois o barco tinha a tarefa de transportar as mercadorias até o porto”. Paulo VI: “Nasci para a Igreja no dia em que a santa nasceu para o céu” Durante uma visita ad limina do bispo de Sées, a diocese na qual nasceu Teresa, Paulo VI (1963-1978) disse: “Nasci para a Igreja no dia em que a santa nasceu para o céu. Isso lhe mostra que especial vínculo me liga a ela. Minha mãe fez com que eu conhecesse Santa Teresa do Menino Jesus que ela tanto amava. Já li várias vezes a Histoire d’une âme, a primeira vez na minha juventude”.


Já em 1938 escrevia às monjas do Carmelo de Lisieux, confessando “acompanhar há muitos anos com grande interesse os progressos do Carmelo de Lisieux” e acrescentava “sou um grande devoto de Santa Teresa, da qual conservo uma pequena relíquia na minha escrivaninha”. Estas menções seriam suficientes para demonstrar o significado da profunda ligação entre Paulo VI e a pequena Teresa. O Papa interveio várias vezes para falar sobre a figura e sobre a doutrina da pequena santa de Lisieux. Em 1973, por ocasião do centenário do nascimento da santa, escreveu uma carta a D. Badré, então bispo de Bayeux e Lisieux, condensando em poucas páginas o seu pensamento sobre Teresa. O realismo e a humildade são os dois conceitos mais evidenciados por Paulo VI a propósito de Teresa: “Teresa do Menino Jesus e da Santa Face ensina a não contar com nós mesmos, tanto se tratando de virtude como de limite, mas com o amor misericordioso de Cristo, que é maior do que o nosso coração e nos associa à oferta da sua paixão e ao dinamismo da sua vida”. A propósito da vida de Teresa que aceitou o limite humano e cultural do claustro, ela ensina segundo Paulo VI, que “a inserção realista na comunidade cristã, onde se é chamado a viver o instante presente, parece-nos uma graça sumamente desejável para o nosso tempo”. Teresa viveu o seu caminho pessoal de santidade dentro de um ambiente cheio de limites. Todavia, “para começar a agir ela não esperou um modo de vida ideal, um ambiente de convivência mais perfeito; digamos que, ao invés, ela contribuiu para mudá-lo partir de dentro. A humildade é o espaço do amor.


A sua busca do Absoluto e a transcendência da sua caridade permitiram-lhe vencer os obstáculos ou mesmo transfigurar os seus limites”. Paulo VI já tinha sublinhado o tema da humildade em Teresa em uma audiência de 29 de dezembro de 1971: “Humildade tão mais obrigatória quanto mais a criatura é alguma coisa, porque tudo depende de Deus, e porque o confronto entre qualquer medida nossa e o Infinito obriga a curvar a fronte”. Em Teresa esta humildade não está separada de uma “infância cheia de confiança e de abandono”. ým um discurso de 16 de fevereiro de 1964 na paróquia de São Pio X, o Papa evidenciava com clareza o quanto Santa Teresa do Menino Jesus tinha praticado e ensinado com relação à confiança que devemos ter na bondade de Deus, abandonando-nos plenamente à sua Providência misericordiosa: “Um escritor moderno muito conhecido conclui um livro seu afirmando: tudo é graça. Mas de quem é esta frase? Não do escritor citado, porque ele tirou-a – e diz isso – de outra fonte. É de Santa Teresa do Menino Jesus. Colocou-a em uma página dos seus diários: ‘Tout est grâce’. Tudo pode se resolver em graça.
De resto a santa carmelita repetia sempre uma esplêndida palavra de São Paulo: ‘Diligentibus Deum omnia cooperantur in bonum’. Toda a nossa vida pode se resolver no bem, se amamos o Senhor. E é isso que o Pastor Supremo espera dos que o ouvem”. João Paulo I “Com suma simplicidade e encaminhando-se ao essencial” ýapa Luciani não teve tempo, nos seus 33 dias de pontificado, de falar de Teresa. Porém já tinha falado em duas importantes ocasiões quando era patriarca de Veneza. Em 10 de outubro de 1973, fez uma conferência por ocasião do centenário do nascimento de Teresa e uma carta à santa no livro Illustrissimi. Aqui o futuro papa conta que leu a História de uma almaüpela primeira vez aos 17 anos: “Para mim foi como um relâmpago”, escreveu. E revela sobre a ajuda recebida de Teresa quando era um jovem padre e, atingido pela tuberculose, fora internado em um sanatório. “Envergonhei-me por ter sentido um pouco de medo”, recorda Luciani: “Teresa, aos 23 anos, na época sã e cheia de vitalidade – disse-me –, foi inundada de alegria e de esperança, quando sentiu subir à boca a primeira golfada de sangue. Não só isso, mas, atenuando o mal, conseguiu levar a termo o jejum de pão seco e água, e tu queres sentir medo? És sacerdote, desperta, não sejas tolo”.
Na conferência de 1973, o futuro João Paulo I sublinhava o ensinamento de Teresa: “Teresa, contando com uma aguda inteligência e dons especiais, viu claramente nas coisas de Deus e também expressou-se claramente, ou seja, com suma simplicidade e encaminhando-se ao essencial”. Teresa não buscou experiências diferentes das que o cristianismo do seu tempo oferecia-lhe.



Como escreve padre Mario Caprioli, não buscou experiências extraordinárias: “Confissão aos seis anos, a preparação à primeira comunhão em família, as peregrinações – que para Teresa foram muito instrutivas –, o convento, ou seja, a vida religiosa com os votos, a regra, a austeridade” (M. Caprioli, I papa del XX secolo e Teresa di Lisieux, p. 349). “Hoje”, comentava a este propósito Luciani “sob pretexto de renovações tende-se, algumas vezes, a tirar todo o valor destas coisas. Na minha opinião, Teresa não concordaria”. João Paulo II Teresa do Menino Jesus doutora da Igreja universal Ao proclamar, em 1997, Teresa de Lisieux doutora da Igreja universal, terceira mulher a obter este título depois de Teresa de Avila e Catarina de Sena, João Paulo II recolheu efetivamente a herança de seus predecessores. A atualidade do gesto pode ser expressa nas palavras que o padre Luigi Giussani dirigia ao Papa na Praça de S. Pedro durante o encontro dos movimentos eclesiais em maio de 1998: “Ao grito desesperado do pastor Brand no homônimo drama de Ibsen (‘Responda-ýe ó Deus, na hora em que a morte me arrasta: então não é suficiente toda a vontade de um homem para conseguir uma só salvação?’) responde a humilde positividade de Santa Teresa do Menino Jesus, que escreve: ‘Quando sou caridosa é Jesus que age em mim’”.


fonte : Revista 30 Dias - Roma